Pra ter jongo é preciso ter terra

O quilombo da fazenda é coordenado pelo senhor Zé Pedro. Ele guarda quase 80 anos de luta, resistências e sorrisos pairam nessa pessoa e contagia todos àqueles que chegam à comunidade quilombola do norte de Ubatuba. Uma casa de farinha com uma antiga roda d’água ainda em funcionamento para a fabricação da farinha de mandioca, uma linda construção de pau à pique para a venda do artesanato e muitas belezas naturais fazem parte dessa paisagem viva. A Fazenda é mais um reduto de cultura tradicional caiçara para conhecer e desbravar o lado pouco conhecido da cidade.

Zé Pedro é contador de histórias e não precisa muito para que ele com sua simpatia que transborda comece a falar sobre as coisas daquele lugar. E para quem quiser levar um pouco dessa rica história para casa, um livro feito com contos e relatos do quilombola pode ser adquirido no local.

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No último sábado e domingo, os primeiros dias do mês de agosto, ele tomou a iniciativa de organizar o Primeiro Festejo de Folclore da Fazenda. Com o intuito de celebrar o mês em que no Brasil comemoramos as tradições folclóricas, que diferente do que a escola ensina, vão muito além do saci-pererê e da mula sem cabeça. Alguns grupos de outros bairros de Ubatuba se apresentaram, teve comidas típicas e dança.

Nós fomos até lá exibir o documentário “Cambury, histórias e memórias”, feita na jornada do Projeto Garoupa em Ubatuba. Depois de assistir ao filme, ele veio me dizer que sua alegria era grande demais, por poder ver as pessoas da comunidade vizinha que não vê há tempos. Se emocionou e transpareceu ter gostado de verdade e aquele sorriso farto preencheu a alegria de estar lá naquele momento proporcionando essas sensações.

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Arte é resistência

Depois do filme crianças e jovens do grupo “Ô de casa” montaram os equipamentos e tocaram fandangos, cirandas e jongos. Levei minha saia na mala porque sabia que isso poderia acontecer e brinquei essas danças com eles, aprendendo e compartilhando. Um pequenino de 4 anos me segurou para seu par e a cada nova dança ele pegava minha mão para me mostrar como se fazia. A ciranda caiçara é diferente daquela pernambucana, mas o princípio da roda e a diversão são igualmente garantidas.

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Depois terminamos jongando com os pequenos que tocam, cantam e guardam consigo a força da nossa cultura. Me senti agraciada de dividir com eles a roda e viver um pouco do que eles têm feito na comunidade. Através da arte a resistência se manifesta e faz com que o povo quilombola lute por dignidade e pelo respeito das suas tradições que dependem diretamente do território, das águas e das matas.

O querido Delcio Bernanrdo da Cultuar, de Angra dos Reis me contou uma vez sobre o quanto o jongo é fundamental para garantir a dignidade das comunidades remanescentes de quilombo, deixo aqui seu relato cheio de sabedoria:

“Pra ter jongo precisa ter terra. Como se protege a terra? Ela não é mais tratada hoje em dia como era antigamente. A tomada de consciência do papel da terra para as comunidades tradicionais se dá através do processo da cultura e eu acredito que a terra seja o instrumento mais interessante para a prática cultural e a cultura o instrumento mais interessante para a garantia da terra. Uma coisa não vive sem a outra.”